Mais uma vitória para anistiados políticos da Embraer

O Escritório Torreão, Machado e Linhares Dias Advocacia conseguiu alcançar mais uma vitória para anistiados políticos que foram demitidos da Embraer durante a ditadura militar. Segue reproduzido o inteiro teor da sentença.

“Processo N° 0040176-50.2014.4.01.3400 – 22ª VARA FEDERAL
CLASSE : 1900 – AÇÃO ORDINÁRIA/OUTRAS
I – RELATÓRIO
Trata-se de Ação Ordinária, ajuizada por (NOMES OMITIDOS) em desfavor da UNIÃO FEDERAL, objetivando sejam julgados procedentes os pedidos para: “c.1) garantir o pagamento dos valores da anistia, mediante prestação
mensal, permanente e continuada, de acordo com o salário médio atualizado informado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (doc. 9) ou, pelo menos, de acordo com a média dos valores de maior frequência pagos pela Embraer para seus funcionários, garantidos os benefícios indiretos, acréscimos e reajustes da categoria (artigos 8º e 14 da Lei 10.559/02); c.2) condenar a Ré ao pagamento das correspondentes diferenças retroativas, desde 05/10/1988, acrescidos de correção monetária e juros legais, compensados os valores já recebidos pelos Autores a título de anistia política.”
Relatam os Autores que eram funcionários da EMBRAER – Empresa Brasileira de Aeronáutica, nos cargos de Mecânico Ajustador (primeiro), Torneiro (segundo) e chapeador (terceiro), tendo sido demitidos por perseguição política. Informam que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça declarou os Autores anistiados políticos, concedendo-lhes reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada. Contudo, fixou o valor das prestações mensais com base no valor médio identificado nas tabelas do Instituto Salariômetro, e não nas informações oficiais fornecidas pelo sindicato da categoria (Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos) ou pela EMBRAER, resultando valor inferior ao devido. A exordial veio acompanhada de documentos que comprovam a condição de anistiados dos autores, bem como a relação de salários médios de acordo com informação sindical da categoria.

Foi deferida a gratuidade de justiça aos autores (fl. 206). A União apresentou contestação (fls. 208/225) e documentos (fls. 226/271), suscitou preliminares impossibilidade jurídica do pedido e ausência de interesse de agir, alegou prejudicial de prescrição. No mérito, postulou pela improcedência dos pedidos formulados pelos Autores na Inicial, sustentando, em síntese, que a fixação do valor da prestação mensal foi elaborada pela Comissão de Anistia de acordo com os ditames legais, estabelecido com base em pesquisa de mercado.
Réplica apresentada (fls. 274/302).
Sem provas a produzir.
Alegações finais apresentadas.
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório.
Passo ao exame.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – impossibilidade jurídica do pedido:
A Ré suscitou preliminar de impossibilidade do pedido, visto que a pretensão contraria os dispositivos legais do art. 3º, art. 10 e art. 12, todos da Lei nº 10.559/2002.
A preliminar suscitada confunde-se com o mérito e com ele será analisada.
II.2 ausência de interesse de agir:
A União suscitou, também, preliminar de ausência de interesse de agir, visto que ausente no caso dos autos o binômio necessidade utilidade, traduzido na adequação do provimento postulado.
O interesse de agir surge no momento em que o sujeito de direito passa a ter necessidade concreta de intervenção jurídica do Estado para satisfação do bem jurídico da vida que busca tutelar.
Diante da pretensão resistida, aferida a partir da impugnação apresentada em contestação, emerge inequívoco interesse dos autores, de modo que aos autores assiste efetivo interesse processual no julgamento da lide.
Rejeito a preliminar.
II.3 Prejudicial de prescrição:
Rejeito a prejudicial de prescrição do fundo de direito, pois a Lei nº 10.559/02, ao regulamentar o art. 8º do ADCT da CR/88, veiculou renúncia à prescrição, ao reconhecer, por meio de um regime próprio, o direito à reparação econômica de caráter indenizatório aos anistiados políticos. Nesse sentido o entendimento sedimentado e pacificado da jurisprudência.
Assim, não ocorre a prescrição do fundo de direito na hipótese em que o anistiado ajuíza ação judicial buscando os efeitos financeiros decorrentes da anistia que não teria sido corretamente concedida pela Administração Pública.
Contudo, a prescrição atinge as parcelas vencidas há mais de cinco anos da propositura da ação (Parte integrante do voto proferido no REsp 1250481/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 31/08/2011).
II.4 – Mérito
Considerando que o tema proposto na presente ação encontra solução à luz dos documentos acostados nos autos, julgo antecipadamente a lide, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil.
A Lei nº 10.559/2002, estabeleceu, in verbis:
Art. 6o O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas.
§ 1o O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será estabelecido conforme os elementos de prova oferecidos pelo requerente, informações de órgãos oficiais, bem como de fundações, empresas públicas ou privadas, ou empresas mistas sob controle estatal, ordens, sindicatos ou conselhos profissionais a que o anistiado político estava vinculado ao sofrer a punição, podendo ser arbitrado até mesmo com base em pesquisa de mercado.
§ 2o Para o cálculo do valor da prestação de que trata este artigo serão considerados os direitos e vantagens incorporados à situação jurídica da categoria profissional a que pertencia o anistiado político, observado o disposto no § 4o deste artigo.
§3o As promoções asseguradas ao anistiado político independerão de seu tempo de admissão ou incorporação de seu posto ou graduação, sendo obedecidos os prazos de permanência em atividades previstas nas leis e regulamentos vigentes, vedada a exigência de satisfação das condições incompatíveis com a situação pessoal do beneficiário.

§ 4o Para os efeitos desta Lei, considera-se paradigma a situação funcional de maior frequência constatada entre os pares ou colegas contemporâneos do anistiado que apresentavam o mesmo posicionamento no cargo, emprego ou posto quando da punição.
§ 5o Desde que haja manifestação do beneficiário, no prazo de até dois anos a contar da entrada em vigor desta Lei, será revisto, pelo órgão competente, no prazo de até seis meses a contar da data do requerimento, o valor da aposentadoria e da pensão excepcional, relativa ao anistiado político, que tenha sido reduzido ou cancelado em virtude de critérios previdenciários ou estabelecido por ordens normativas ou de serviço do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, respeitado o disposto no art. 7o desta Lei.
§ 6o Os valores apurados nos termos deste artigo poderão gerar efeitos financeiros a partir de 5 de outubro de 1988, considerando-se para início da retroatividade e da prescrição quinquenal a data do protocolo da petição ou requerimento inicial de anistia, de acordo com os arts. 1o e 4o do Decreto no 20.910, de 6 de janeiro de 1932.
Da leitura da norma acima transcrita, depreende-se que o valor da prestação mensal, permanente e continuada será fixada por arbitramento, de forma supletiva, quando não for possível a obtenção do valor da remuneração do anistiado a partir dos elementos fornecidos pelas partes ou pelas informações prestadas por órgãos públicos, empresas públicas, privadas ou mistas sob o controle estatal, ordens, sindicatos ou conselhos profissionais.
Compulsando os autos, verifica-se nas Decisões proferidas nos Requerimentos de Anistia dos Autores (nº 2002.01.10143, nº 2002.01.10150 e nº 2002.01.11190 – fls. 168/182, 185/199 e 204/218), que o valor da prestação mensal, permanente e continuada foi fixado por arbitramento, com base no valor médio da profissão exercida pelo anistiado, mediante dados informados pelo Instituto Salariômetro, nos seguintes termos:
“(…)
72. O artigo 6º, §1º, da Lei nº 10.559/2002 permite a fixação do valor da prestação mensal, permanente e continuada, com base em pesquisa de mercado de trabalho oficial. Assim, conforme pesquisa atualizada do Instituto Salariômetro, o valor médio pago para esta atividade é de R$2.000,00 (dois mil reais). Valor este que será concedido a título de prestação mensal, permanente e continuada, servindo de base para o cálculo dos valores retroativos em consonância com a prescrição qüinqüenal do art. 6º parágrafo 6º da Lei 10.559/02. (…)”
Como pode ser observado, a Comissão de Anistia desconsiderou as informações da EMBRAER e do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, de modo que a Decisão proferida em relação aos Autores não observou o disposto no art. 6º, § 1º, da Lei nº 10.559/2002.
Nesse sentido, veja-se a jurisprudência do TRF da 1ª Região:
ADMINISTRATIVO. ANISTIA. DANOS MATERIAIS. INDENIZAÇÃO. VALOR. ARBITRAMENTO. CARÁTER SUBSIDIÁRIO. CASO PARADIGMA. ADEQUAÇÃO.
1. No art. 6º, caput, a Lei 10.559/2002 estabelece que “o valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando se os seus paradigmas”. No parágrafo primeiro do mencionado dispositivo está previsto que “o valor da prestação mensal, permanente e continuada, será estabelecido conforme os elementos de prova oferecidos pelo requerente, informações de órgãos oficiais, bem como de fundações, empresas públicas ou privadas, ou empresas mistas sob controle estatal, ordens, sindicatos ou conselhos profissionais a que o anistiado político estava vinculado ao sofrer a punição, podendo ser arbitrado até mesmo com base em pesquisa de mercado”.
2. É perceptível do texto legal supra que a fixação de indenização por arbitramento dá-se de forma supletiva, quando inviável a obtenção do valor da remuneração do anistiado a partir dos elementos fornecidos pelas partes ou pelas informações prestadas por órgãos públicos, empresas públicas, privadas ou mistas sob o controle estatal, ordens, sindicatos ou conselhos profissionais.

3. Ao deferir pensão ao apelado, a Comissão de Anistia declara que: a) “optou por utilizar como critério para fixação do valor da reparação econômica, nos termos da parte final do § 1º do art. 6º da Lei 10.559/2002, os valores salariais médios informados pelos institutos de pesquisas que monitoram o mercado de trabalho (Ex. Datafolha), tendo em vista que, conforme acordo coletivo de trabalho, enviado pela empresa General Motors do Brasil S/A, de São José dos Campos/SP, com vigência de 01 de setembro de 2007 a 01 de agosto de 2009, não há plano formal de progressão funcional”; b) “o anistiando laborava na função de Ferramenteiro Especializado, profissão esta que não consta da listagem da pesquisa de mercado do Datafolha”; c) “a função que mais se assemelha é a de Ferramenteiro, cujo valor médio é no importe de R$ 3.332,00″.
4. A mencionada decisão da Comissão de Anistia afrontou a Lei n. 10.559/2002, na medida em que desconsiderou informação do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região na qual é revelado que, tomando-se por base caso paradigmático, o anistiado possivelmente alcançaria a função de supervisor de ferramentaria, com remuneração de R$ 8.708,86.
5. Embora inexista plano de progressão funcional na empresa em que o anistiado laborava antes de ser injustamente demitido – por conta de participação em movimento paredista, em condições normais, poderia ter alcançado a função de supervisor de ferramentaria, conforme se observa do caso paradigma.
6. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento.
(AC 2009.34.00.027653-0/DF, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, Conv. Juiz Federal Carlos Eduardo Castro Martins, Quinta Turma, e-DJF1 p.600 de 22/06/2012)
Considerando que os Autores instruíram a Inicial com o relatório da EMBRAER (fls. 56), documento que não foi impugnado pela Ré, deve ser efetivado o pagamento dos valores da anistia, mediante prestação mensal, permanente e continuada, de acordo com as informações lá contidas, porquanto reconhecida a sua idoneidade e precisão para o fim proposto na presente ação.
A Lei nº 10.559/2002 também assegura aos anistiados que o reajustamento do valor da prestação mensal, permanente e continuada, será feito quando ocorrer alteração na remuneração que o anistiado político estaria recebendo se estivesse em serviço ativo, observadas as disposições do art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 8º), bem como que os benefícios indiretos mantidos pelas empresas ou órgãos da Administração Pública a que estavam vinculados quando foram punidos, ou pelas entidades instituídas por umas ou por outros, inclusive planos de seguro, de assistência médica, odontológica e hospitalar, bem como de financiamento habitacional (art. 14).
Assim, possuem os Autores o direito à percepção do reajuste e dos benefícios referidos nos arts. 8º e art. 14 da Lei nº 10.559/2002, de acordo com as informações do Sindicato da categoria e com a Convenção Coletiva de Trabalho vigente ao tempo do cumprimento da obrigação de fazer.
De acordo com a fundamentação apresentada, devem ser julgados parcialmente procedentes os pedidos formulados na Inicial.
III – DISPOSITIVO
Ex positis, resolvo o mérito da presente Ação (art. 487, inciso I, do NCPC), julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por (NOMES OMITIDOS) para:
– condenar a Ré ao pagamento dos valores das prestações mensais, permanentes e continuadas aos Autores, de acordo com o Relatório emitido pela EMBRAER (fls. 57);
– condenar a Ré ao pagamento das parcelas pretéritas, observada a prescrição quinquenal, nos termos do art. 6º, § 6º, da lei nº 10.559/2002, devidamente atualizada, na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, compensando-se os valores já pagos a título de prestação mensal, permanente e continuada;
– declarar o direito dos Autores, observada a prescrição, ao reajustamento das prestações, nos termos do art. 8º, da Lei nº 10.559/2002, bem como aos benefícios indiretos, de acordo com o art. 14 da referida Lei, e condenar a Ré na obrigação de fazer, calculando e implantado os referidos reajustes e benefícios, após o trânsito em julgado da sentença, nos termos da fundamentação.
Condeno a Ré no pagamento de honorários advocatícios correspondente a 10% sobre o valor da condenação, conforme se apurar em liquidação de sentença, nos termos do art. 85, § 3º, I, do NCPC.
Custas ex lege.
P.R.I.
Sentença sujeita ao reexame necessário”.

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